terça-feira, 9 de novembro de 2010

Quando você pensa que disse

Vamos ser excelentes no que fazemos, certo? Estamos aqui para escrever corretamente. Ainda que você tenha acabado de revisar seu texto e pensado: "Ufa, consegui dizer tudo!", que tal fazer um segundo exame para conferir a precisão da sua redação?

Vou listar alguns exemplos em que os autores dos textos escreveram um pouco menos do que queriam (ou do que deveriam).

Nenhum homem e nenhuma sociedade vivem isolados, e isso há muitos séculos, sendo que essa interdependência tornou-se mais latente após a 2ª Guerra Mundial.

Com o advento da Lei n. 11.705/08, que alterou inúmeros dispositivos previstos na Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), houve uma verdadeira remodelação do aspecto processual na aplicação de sanções para tais delitos.

O alcance da maioridade civil não gera necessariamente perda do direito a alimentos, existindo casos em que tais pessoas ainda necessitam dos mesmos para a própria sobrevivência.


Qual interdependência, quais delitos, quais pessoas???

As expressões em destaque nos trechos acima deveriam retomar sua própria presença nos textos. Entretanto, eles surgiram órfãos. Escolhi propositalmente casos em que a continuidade do raciocínio permitisse a compreensão das ideias. Mas espero que tenha notado que a técnica ficou de lado.

domingo, 15 de agosto de 2010

Mal travado e maltratado

"Esse é o grande clamor da sociedade brasileira", disse o presidente do TST sobre a recentíssima Lei 12.275. Ela exige depósito recursal para interposição de agravo de instrumento na Justiça do Trabalho. Talvez seja.

Da minha parte, clamo para que as leis - pelo menos elas - dispensem algum respeito ao português. Antes de apontar o erro, como de costume, ofereço-lhes o objeto para apreciação:

No ato de interposição do agravo de instrumento, o depósito recursal corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do valor do depósito do recurso ao qual se pretende destrancar.


Por acaso você, em sua casa, tranca às portas? Destranca aos cadeados? Pois lá no Congresso Nacional, quem redigiu essa lei faz isso.

Acho que o tal recurso, como dizem por aí – não me pergunte quem – não estava trancado; estava era amarrado (3 vezes). =P


sábado, 14 de agosto de 2010

Por que não citar a Wikipédia em artigos científicos

Cena 1
O estudante de Direito [pode ser de graduação ou pós] está em sua casa dando um duro danado pra fazer um artigo sobre transconstitucionalismo, que seu professor requisitou como avaliação da disciplina. Percebeu que precisará fazer uma pequena digressão sobre globalização na introdução, já que seu tema não é habitual. Mesmo tendo trazido 8 livros da biblioteca, nosso amigo não encontra um bom conceito de globalização que possa parafrasear. Joga no Google e encontra algumas informações que encaixam perfeitamente no espaço que havia ficado. Entretanto, estão na Wikipédia. E agora?

Cena 2
O professor está corrigindo os artigos e crava os olhos na nota de rodapé aberta para fazer referência à Wikipédia. Lembra-se do que disse em sala de aula: “Sejam neuróticos com as fontes. Nunca deixem de informar o leitor sobre a origem da informação que faz parte da pesquisa de vocês. Nós estamos aqui para fazer ciência. Um artigo é escrito para ser lido por outras pessoas, não pelos próprios autores...”

Cena 3
Na aula seguinte, outro aluno faz a defesa do colega que teve sua nota diminuída: “Professor, com todo respeito, acho que o senhor está desatualizado. Eu li uma pesquisa da revista Nature que diz que a Wikipédia é tão precisa quanto a Enciclopédia Britânica. Como o senhor pode dizer que ela não é uma fonte séria?”

O início de discussão relatado acima é só um exemplo fictício do que talvez aconteça cotidianamente. A menos que sua IES tenha proibido o uso da Wikipédia como fonte bibliográfica, o debate está aberto.

Considero que a questão passa por algo anterior. Qual a utilidade das referências bibliográficas? Resposta: permitir a rastreabilidade da sua produção acadêmica (artigo, monografia, dissertação, tese etc.). O que o professor fala na cena 2 está corretíssimo. Quem vai ler seu texto precisa ter a opção de checar diretamente na fonte. Todo mínimo avanço científico se apoia no que já foi descoberto anteriormente. Isso pressupõe a responsabilidade dos autores/pesquisadores sobre suas publicações.

Longe de desprezar a importância da Wikipédia (e de outras fontes que se utilizam do formato Wiki) no contexto atual de democratização da informação, o fato é que ninguém pode ser responsabilizado pelo que está lá.

Caso o senso comum sobre um conceito seja suficiente para o seu trabalho, é válida a menção à enciclopédia aberta. Também é igualmente válida a dispensa de referência. Afinal, mesmo num trabalho científico, há informações que não têm dono.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Em que pese a

Os leitores do blog talvez tenham dado conta da pouca atividade por aqui. Espero que tenham percebido também que os trabalhos por um mundo melhor continuaram no nosso twitter. Muitas dicas cabem em 140 caracteres e – concordemos – o mundo está cada dia mais expresso.

Eis o conteúdo não tuitável do dia.

Qual das duas frases está certa?

Em que pese à acusação, o direito do apelante está plenamente resguardado.

Em que pesem as teses levadas à contenda em face da nossa sociedade, permaneço impávido.

Resposta: ambas!

Use “em que pese a”, sem variação para o verbo pesar e com preposição, quando significar “ainda que incomode (a alguém)”.

Já quando quiser dizer “apesar de”, coloque a locução concordando com o sujeito e sem preposicionar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Quantas doses de latim?


Se, por um lado, tem algo belo no ufanismo dos que evitam estrangeirismos, por outro, é ingênuo supor que há como conter as permanentes influências entre as línguas.

Sabia que, em filologia (estudo da história das línguas), evoluir significa simplesmente mudar? Poético, não?

Mas tudo tem um limite.

Falemos do latinismo.

Não há dúvidas de que um texto fica mais limpo quando usa “no caso” em vez de "in casu", “perigo da demora” em vez de "periculum in mora", “condição indispensável” no lugar de “conditio sine qua non”.

Cada um tem seu estilo. O problema é que a comunicação se faz com a participação de outra pessoa. Fique à vontade para ser vaidoso. Muitas vezes pega bem.

Se tem que ajuizar uma ADI em matéria tributária, vá em frente com seu rebuscamento. Garanto que os membros do STF entenderão (apesar de alguns não gostarem). Só não me diga que parece minimamente plausível despejar latim numa sentença trabalhista cujo principal destinatário será um empregado doméstico.

--> Clicando na foto acima, uma imagem incrível do Coliseu, presente da Wikipédia.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pedaços de língua crua - 2

Inale a lógica da ortografia com estes exemplos:

multirreincidente
socioeducativas
locaute
infraconstitucional
vultoso
metaindividuais
sub-rogar

sexta-feira, 19 de março de 2010

Fazer na direta ajuda a fazer direito

Tem um velho ditado: “Não sabe beber, bebe leite”. Aí você arrisca, resolve encher-se de uísque e passa vergonha em público. Era melhor ter treinado antes, sozinho.

O caso aqui é parecido. Caso não esteja seguro o suficiente para manejar certas expressões, não brinque nos seus escritos públicos, muito menos de reproduzir fórmulas comuns. É meio caminho andado para derrapar.

Por que as frases abaixo estão erradas?

Segue os anexos.
Encontra-se decisões nesse sentido.
Interessa a este estudo os efeitos da decisão.
Necessário se faz a investigação das provas.


Resposta: Porque quem as escreveu não sabe lidar muito bem com a ordem indireta.

Se você suspeita que de vez em quando deixa escapar uma dessas, nem tudo está perdido. Eu duvido que você erre novamente quando escrever da forma normal, padrão, direta, bonita, limpinha, cheirosa... (Ops! Empolguei.)

Os anexos seguem.
Decisões nesse sentido são encontradas.
Os efeitos da decisão interessam a este estudo.
A investigação das provas se faz necessária.


Isso também é enxugar a língua.

domingo, 14 de março de 2010

Acordo ortográfico. Atualize seus textos e aprenda logo


Pela regra de transição do novo acordo ortográfico, temos até o final de 2012 para nos adaptar totalmente. Se você ainda não começou a estudá-lo, está perdendo tempo. Não dá pra aprender tudo de uma vez.

Neste post eu vou ensinar a técnica que me fez atualizar todos os meus textos antigos para que sejam publicados na nova redação. Afinal, eu não quero que eles fiquem com cara de defasados em pouco tempo. De quebra, com a prática, incorporei 95% do que preciso.

Considerando que você usa o Word, Ctrl U pra que te quero!

1. Localize todo ü e substitua por u;
2. Éi e ói por ei e oi, desde que não estejam na última sílaba (Exemplo: destrói permanece assim, panaceia fica sem acento);
3. Êe e ôo por ee e oo;
4. Gúe, gúi, qúe, qúi viram gue, gui, que, qui;


Tenha cuidado para não alterar os textos de citações diretas.

Neste ponto do serviço, você provavelmente já procedeu a 90% das mudanças necessárias. Agora vem o trabalho de formiguinha.

5. Tire os acentos de i e u em paroxítonas quando precedidos de ditongo (esta é chata). Exemplos: feiúra e taoísmo;
6. Elimine os acentos diferenciais, como o de pólo, palavra comum especialmente para os processualistas;
7. Revise cada hífen utilizando esta prática tabela. Ela vai fazer você dominar as novas regras a partir dos exemplos e do exercício constante.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Palavras, apenas...

lipoaspiração Imagine-se um cirurgião plástico que faz lipoaspiração. Aqui está seu paciente:

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Diante da complexidade da sociedade atual, é importante perceber que é cada vez mais necessária a existência de um mínimo de segurança no sentido de que as pessoas possam realizar suas atividades e confiar que eventuais prejuízos causados por terceiros com quem lidam sejam devidamente indenizados.

Sendo assim, ressalta-se que a reparação civil existe para garantir que o justo não pague pelo erro de outro. Vale frisar que essa responsabilidade é uma medida que determina os critérios de reparação do dano moral ou patrimonial.  Nesse sentido, vê-se que o nosso Código Civil baseia-se na noção da existência de culpa do agente para que haja responsabilização.

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Vê algum problema com ele? Não? Então você é um forte candidato à vaga do açougue da vizinhança, pois provavelmente sabe encher linguiça.

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linguiça

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Eu vejo oito quilos – não kilos – de pura gordura a serem extraídos desse texto e, como tal, só diminuem o seu valor.

Ligando as luzes e passando o bisturi:

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Diante da complexidade da sociedade atual, é importante perceber que é cada vez mais necessário a existência de um mínimo de segurança no sentido de que para que as pessoas possam realizar suas atividades e confiar que eventuais prejuízos causados por terceiros com quem lidam sejam devidamente indenizados.

Sendo assim, ressalta-se que a reparação civil existe para garantir que o justo não pague pelo erro de outro. Vale frisar que essa responsabilidade é uma medida que determina os critérios de reparação do dano moral ou patrimonial.  Nesse sentido, vê-se que o nosso Código Civil baseia-se na noção da existência de culpa do agente para que haja responsabilização.

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Enxugar sua língua ajuda você a mostrar seu conteúdo de verdade.

Até a próxima! Mais magro, eu espero.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Desafio à vista!

Agora eu te pego de jeito! Duvido que você acerte quais destes ditos estão indefectíveis. Pegue uma caneta e marque aí na tela do computador:

( ) Defiro o pedido, haja vista às razões do autor.
( ) ...haja vista das razões do autor.
( ) ...haja vista as razões do autor.
( ) ...haja vistas as razões do autor.
( ) ...haja visto o motivo exposto.
( ) ...hajam vista as razões do autor.
( ) ...haja em vista as razões do autor.

Se eu dissesse que estão todos certos?



Não acredita em mim?! Eu entendo. Mas faça a gentileza (para si mesmo) de crer no Houaiss:

a loc. haja vista pode reger ou não as prep. a (lutaremos, haja vista [a]o armamento que já reunimos) ou de (haja vista [d]as razões expostas); tb. pode manter-se invariável (haja vista as armas que já reunimos) ou pode flexionar o subst. vistahaja vistas as armas; haja visto o armamento que reunimos) ou o verbo haverhajam vista os argumentos apresentados); quando rege a partícula em, permanece invariável (haja em vista as armas)