segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A súmula e a vírgula

Toda honra e toda glória agora e para sempre às gramáticas. É com elas que aprendemos a falar que preste. Ou não. O danado é que elas não ensinam quem chegou atrasado no bonde e não tem tempo de voltar à Gênese para entender o Apocalipse.

O cara não se graduou em Letras e acabou de virar assessor do ministro do STJ que sempre admirou até pelo nome estiloso. Vai reler um voto que preparou e fica com dúvida sobre o uso de vírgula numa frase. Faz o que? Forca, claro! Se ele abre a gramática e ela diz isso:

Não se usa vírgula separando termos que, do ponto de vista sintático, ligam-se diretamente entre si (como sujeito e predicado) ou para marcar intercalação do adjunto adverbial.

Ai, ai, ai. Pra começar, “ponto de vista sintático” foi uma expressão que o deixou nervoso, sem chão, especialmente porque ele ainda vai ter que pesquisar o ponto de vista do ministro pra adivinhar se o voto está no rumo certo. Depois ele até sabe o que é sujeito e predicado, mas nessa frase... Hmmm. Aí vem a intercalação do adjunto adverbial. Prepara a corda e a cadeira!

Um falsário que não merece a posição que ocupa? Talvez. Resolva você os problemas dele ostente o direito de julgá-lo assim.

Em resposta mais uma vez ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da 1ª Câmara o diretor no exercício das atribuições conferidas pelo regimento informou que por conta das graves acusações à sua equipe determinou sem prejuízo da competência de outras instâncias a instauração de inquérito administrativo.

Um período desses, com 47 palavras, só é construído por quem não teve que ler muito no trabalho. Essas “anacondas” são o terror de quem precisa usar a concentração com coisas mais importantes que entender um mero relato de fatos. Espírito de equipe conta muito nessas horas em que precisamos tornar a vida mais prática.



Verdade seja dita. Algumas vírgulas resolvem o problema do assessor no aspecto gramatical, mas eu duvido que o ministro do nome estiloso não dê importância à Estilística e para atender a isso – convenhamos – ele vai precisar de mais. Vai precisar de pontos para quebrar esse período nuns três, largar mão dessa tara por ordem inversa e contar essa história de forma menos afobada.

Eis a correção (apenas gramatical) do enunciado:

Em resposta, mais uma vez, ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da 1ª Câmara, o diretor, no exercício das atribuições conferidas pelo regimento, informou que, por conta das graves acusações à sua equipe, determinou, sem prejuízo da competência de outras instâncias, a instauração de inquérito administrativo.

Foi fácil? Que ótimo! Então você não escorregaria num caso tão mais simples como o da súmula vinculante nº 19:

A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.

Um alô para o pessoal do Supremo: a taxa pode não ter violado a Constituição, mas a proibição mais primária do uso de vírgula ela violou.

Ela só poderia estar aí, separando sujeito e predicado da oração, se houvesse uma expressão explicativa para a taxa no meio dos dois. Assim, olha:

A taxa verde, cobrada pelo serviço de coleta de lixo, não viola a Constituição.

Perceba a diferença. O que está intercalando os dois elementos sintáticos apareceu para acrescer uma informação sobre a taxa que não se incorpora ao sujeito. No caso da súmula, todo o trecho “cobrada exclusivamente... imóveis” está dizendo qual é a taxa, não apenas inserindo mais dados sobre um sujeito já especificado.

Essa redução que fiz aí em cima com o enunciado da súmula poderia ser batizado de “simplificação das estruturas sintáticas”. É uma boa técnica para clarear nossa visão e pontuar direito nossas vidas. Só que esse nome... Acho que é melhor deixar quieto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem que o assessor ao qual você se referiu é do STJ, se não eu encararia como uma indireta para mim.
Ah, e só para constar, eu não tenho nada a ver com a redação de súmulas, viu? hehehe

Abraço,
José Carvalho
Assessor de Ministro do STF

Paulo Gustavo disse...

Minha súmula vinculante preferida ainda é a de nº 13:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

Tadinho do predicado. Quase esqueciam dele.

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